O Abismo Sem Margens
O infinito não começa. Não termina. Não se deixa
medir, nem conter. É uma palavra que escapa à mão, um conceito que se estende
para lá do pensamento. Quando dizemos “infinito”, não sabemos se estamos a
nomear algo que existe ou apenas a desenhar o contorno do que não conseguimos
compreender. Há quem o veja nas estrelas, no céu que não acaba, no mar que não
se deixa contar. Outros procuram-no na matemática, nos números que se
multiplicam sem fim, nas séries que não cessam, nos limites que nunca se
alcançam. Mas será o infinito uma realidade? Ou apenas um reflexo da nossa
incapacidade de aceitar o fim?
A mente humana não tolera fronteiras. Quando
encontra uma, inventa uma ponte. Quando chega ao limite, imagina o que está
para lá. O infinito é talvez isso; o gesto de ultrapassar. A recusa de aceitar
que tudo tem um ponto final. É o eco do desejo de eternidade, o murmúrio
daquilo que não morre. O tempo, por exemplo, parece infinito. Mas será? Cada
segundo que passa é uma perda. Cada instante vivido é um degrau a menos na
escada da existência. E no entanto, olhamos para o tempo como quem olha para um
rio sem nascente. Talvez porque o tempo não se vê e apenas se sente. E o que se
sente, não se mede. O espaço também se oferece como infinito. O horizonte nunca
se alcança. O céu nunca se fecha. Mas será o espaço infinito ou apenas
incompleto? Talvez o infinito seja a ausência de fronteira, não a presença de
tudo. Talvez seja o nome que damos ao que não conseguimos delimitar.
A Linguagem do Infinito
Quando falamos do infinito, usamos palavras que
não chegam. A linguagem é feita para o finito. Para o que tem forma, para o que
se pode nomear. O infinito escapa à gramática, à lógica, à definição. É o
silêncio entre duas frases, o intervalo entre dois pensamentos, o vazio que a
palavra não preenche. A poesia aproxima-se do infinito. Não porque o descreva,
mas porque o pressente. O verso não explica; sugere. E o infinito é isso; uma
sugestão. Um pressentimento. Uma vibração que não se deixa agarrar. Quando o
poeta fala do mar, não fala da água; fala do que não acaba. Quando fala do
amor, não fala do toque; fala do que não se mede. A filosofia tenta pensar o
infinito. Mas pensar é delimitar. E o infinito não se deixa pensar sem se
perder. É um paradoxo; para o pensar, temos de o limitar; mas ao limitá-lo,
deixamos de o pensar. O infinito é o pensamento que se dobra sobre si mesmo,
que se interroga sem resposta, que se dissolve na própria pergunta.
O Infinito e o Eu
Será o eu infinito? Ou apenas uma ilusão que se
repete? A consciência parece não ter margens. Pensamos, sentimos, lembramos,
desejamos e nunca chegamos ao fim. Mas será isso infinito ou apenas fluxo? A
mente não é um espaço sem fim; é um espaço sem forma. E o sem forma não é
necessariamente o sem fim. A memória, por exemplo, parece infinita. Mas
esquece. Apaga. Reescreve. A memória não é um arquivo; é uma invenção. E o que
se inventa, não é infinito. É mutável. O eu que recorda não é o mesmo que
viveu. E o eu que imagina não é o mesmo que sofre. O infinito não cabe no eu;
cabe no que o eu não consegue ser. Talvez o infinito seja o outro. O que não
sou. O que não controlo. O que me escapa. O outro é sempre mais do que consigo
compreender. E nesse mais, há infinito. Não porque o outro seja eterno, mas
porque nunca o conheço por inteiro. O outro é o espelho onde o infinito se
insinua.
O Infinito e o Fim
Falar do infinito é falar da morte. Porque é no
fim que o infinito se revela. Quando tudo termina, o que resta? O vazio? A
ausência? Ou algo que continua sem forma? A morte é o limite. Mas o que está
para lá do limite? O infinito ou o nada? A mente não suporta o nada. Prefere o
infinito. Prefere imaginar que há algo, mesmo que não saiba o quê. O infinito é
o consolo diante da finitude. É a esperança de que o tempo não se apaga, de que
o amor não morre, de que o ser não se dissolve. É a recusa do fim como fim. Mas
talvez o infinito seja apenas isso; uma recusa. Uma invenção. Uma abstracção
que nos protege do abismo. E se for? Mesmo assim, tem valor. Porque o que nos
protege do abismo merece ser pensado. Mesmo que não exista. Mesmo que seja
apenas uma palavra.
O Infinito Existe ou É Apenas uma
Abstracção?
O Espelho do Infinito
O infinito não se vê; intui-se. Está no intervalo
entre dois pensamentos, na pausa entre duas notas, no olhar que se prolonga
para lá do visível. Não é uma coisa; é uma condição. Uma vibração que atravessa
o instante e o torna eterno. Uma presença que não se impõe, mas que se insinua.
O infinito não grita; murmura.
Há quem o procure nas estrelas, outros no
interior. Uns olham para cima, outros para dentro. Mas talvez o infinito não
esteja nem fora nem dentro. Talvez esteja entre. Entre o que somos e o que
poderíamos ser. Entre o que dizemos e o que calamos. Entre o que tocamos e o
que perdemos. O infinito é o entre; o que não se fixa, o que não se prende, o
que não se fecha.
A infância tem algo de infinito. Não porque dure
para sempre, mas porque nela o tempo não pesa. Cada instante é total, cada
gesto é mundo, cada descoberta é origem. A criança não pensa no fim; vive. E
nesse viver sem cálculo, há infinito. Não como conceito, mas como experiência.
O infinito não é o que se pensa; é o que se vive antes de pensar.
O amor também tem algo de infinito. Não porque não
acabe, mas porque quando é verdadeiro, suspende o tempo. Há momentos de amor em
que o mundo se detém. Em que o toque é eternidade, em que o olhar é morada, em
que o silêncio é plenitude. O amor não precisa de durar para ser infinito.
Basta-lhe ser inteiro.
A arte é talvez o lugar onde o infinito mais se
aproxima do humano. Um quadro, um poema, uma melodia são finitos na forma, mas
infinitos no alcance. Tocam o que não se diz, despertam o que não se sabia,
prolongam o que parecia breve. A arte é o gesto humano de tocar o intocável. De
dar corpo ao que não tem corpo. De fazer do finito uma porta para o sem-fim.
Mas o infinito também assusta. Porque é o lugar
onde o eu se dissolve. Onde o controlo se perde. Onde a razão se curva. O
infinito é o espelho onde vemos que não somos centro. Que somos parte. Que
somos passagem. E essa consciência, por vezes, dói. Porque nos lembra que tudo
o que amamos é frágil. Que tudo o que somos é instante.
E no entanto, é essa fragilidade que nos torna
belos. O facto de sabermos que tudo passa é o que dá valor ao que fica. O facto
de sabermos que somos finitos é o que nos faz desejar o infinito. Não como
posse, mas como horizonte. Não como certeza, mas como chama.
Talvez o infinito não exista como coisa. Talvez
seja apenas uma ideia. Uma invenção da mente para suportar o peso do tempo. Mas
mesmo que seja só isso, uma abstracção, não deixa de ser real. Porque o que a
mente inventa, transforma. E o que transforma, existe.
O infinito é o que nos faz levantar os olhos. É o
que nos faz perguntar. É o que nos impede de aceitar o mundo como está. É o que
nos move. Mesmo que nunca o alcancemos, é ele que nos dá direcção. O infinito é
bússola, não destino.
E talvez seja isso, no fim de tudo, o que importa;
não saber se o
infinito existe, mas saber que precisamos dele. Como quem precisa de horizonte para caminhar.
Como quem precisa de silêncio para escutar. Como quem precisa de mistério para
continuar a viver.

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