Thursday, 13 November 2025

O Infinito Existe ou É Apenas uma Abstração?

 



O Abismo Sem Margens

O infinito não começa. Não termina. Não se deixa medir, nem conter. É uma palavra que escapa à mão, um conceito que se estende para lá do pensamento. Quando dizemos “infinito”, não sabemos se estamos a nomear algo que existe ou apenas a desenhar o contorno do que não conseguimos compreender. Há quem o veja nas estrelas, no céu que não acaba, no mar que não se deixa contar. Outros procuram-no na matemática, nos números que se multiplicam sem fim, nas séries que não cessam, nos limites que nunca se alcançam. Mas será o infinito uma realidade? Ou apenas um reflexo da nossa incapacidade de aceitar o fim?

A mente humana não tolera fronteiras. Quando encontra uma, inventa uma ponte. Quando chega ao limite, imagina o que está para lá. O infinito é talvez isso; o gesto de ultrapassar. A recusa de aceitar que tudo tem um ponto final. É o eco do desejo de eternidade, o murmúrio daquilo que não morre. O tempo, por exemplo, parece infinito. Mas será? Cada segundo que passa é uma perda. Cada instante vivido é um degrau a menos na escada da existência. E no entanto, olhamos para o tempo como quem olha para um rio sem nascente. Talvez porque o tempo não se vê e apenas se sente. E o que se sente, não se mede. O espaço também se oferece como infinito. O horizonte nunca se alcança. O céu nunca se fecha. Mas será o espaço infinito ou apenas incompleto? Talvez o infinito seja a ausência de fronteira, não a presença de tudo. Talvez seja o nome que damos ao que não conseguimos delimitar.

A Linguagem do Infinito

Quando falamos do infinito, usamos palavras que não chegam. A linguagem é feita para o finito. Para o que tem forma, para o que se pode nomear. O infinito escapa à gramática, à lógica, à definição. É o silêncio entre duas frases, o intervalo entre dois pensamentos, o vazio que a palavra não preenche. A poesia aproxima-se do infinito. Não porque o descreva, mas porque o pressente. O verso não explica; sugere. E o infinito é isso; uma sugestão. Um pressentimento. Uma vibração que não se deixa agarrar. Quando o poeta fala do mar, não fala da água; fala do que não acaba. Quando fala do amor, não fala do toque; fala do que não se mede. A filosofia tenta pensar o infinito. Mas pensar é delimitar. E o infinito não se deixa pensar sem se perder. É um paradoxo; para o pensar, temos de o limitar; mas ao limitá-lo, deixamos de o pensar. O infinito é o pensamento que se dobra sobre si mesmo, que se interroga sem resposta, que se dissolve na própria pergunta.

O Infinito e o Eu

Será o eu infinito? Ou apenas uma ilusão que se repete? A consciência parece não ter margens. Pensamos, sentimos, lembramos, desejamos e nunca chegamos ao fim. Mas será isso infinito ou apenas fluxo? A mente não é um espaço sem fim; é um espaço sem forma. E o sem forma não é necessariamente o sem fim. A memória, por exemplo, parece infinita. Mas esquece. Apaga. Reescreve. A memória não é um arquivo; é uma invenção. E o que se inventa, não é infinito. É mutável. O eu que recorda não é o mesmo que viveu. E o eu que imagina não é o mesmo que sofre. O infinito não cabe no eu; cabe no que o eu não consegue ser. Talvez o infinito seja o outro. O que não sou. O que não controlo. O que me escapa. O outro é sempre mais do que consigo compreender. E nesse mais, há infinito. Não porque o outro seja eterno, mas porque nunca o conheço por inteiro. O outro é o espelho onde o infinito se insinua.

O Infinito e o Fim

Falar do infinito é falar da morte. Porque é no fim que o infinito se revela. Quando tudo termina, o que resta? O vazio? A ausência? Ou algo que continua sem forma? A morte é o limite. Mas o que está para lá do limite? O infinito ou o nada? A mente não suporta o nada. Prefere o infinito. Prefere imaginar que há algo, mesmo que não saiba o quê. O infinito é o consolo diante da finitude. É a esperança de que o tempo não se apaga, de que o amor não morre, de que o ser não se dissolve. É a recusa do fim como fim. Mas talvez o infinito seja apenas isso; uma recusa. Uma invenção. Uma abstracção que nos protege do abismo. E se for? Mesmo assim, tem valor. Porque o que nos protege do abismo merece ser pensado. Mesmo que não exista. Mesmo que seja apenas uma palavra.

O Infinito Existe ou É Apenas uma Abstracção?

O Espelho do Infinito

O infinito não se vê; intui-se. Está no intervalo entre dois pensamentos, na pausa entre duas notas, no olhar que se prolonga para lá do visível. Não é uma coisa; é uma condição. Uma vibração que atravessa o instante e o torna eterno. Uma presença que não se impõe, mas que se insinua. O infinito não grita; murmura.

Há quem o procure nas estrelas, outros no interior. Uns olham para cima, outros para dentro. Mas talvez o infinito não esteja nem fora nem dentro. Talvez esteja entre. Entre o que somos e o que poderíamos ser. Entre o que dizemos e o que calamos. Entre o que tocamos e o que perdemos. O infinito é o entre; o que não se fixa, o que não se prende, o que não se fecha.

A infância tem algo de infinito. Não porque dure para sempre, mas porque nela o tempo não pesa. Cada instante é total, cada gesto é mundo, cada descoberta é origem. A criança não pensa no fim; vive. E nesse viver sem cálculo, há infinito. Não como conceito, mas como experiência. O infinito não é o que se pensa; é o que se vive antes de pensar.

O amor também tem algo de infinito. Não porque não acabe, mas porque quando é verdadeiro, suspende o tempo. Há momentos de amor em que o mundo se detém. Em que o toque é eternidade, em que o olhar é morada, em que o silêncio é plenitude. O amor não precisa de durar para ser infinito. Basta-lhe ser inteiro.

A arte é talvez o lugar onde o infinito mais se aproxima do humano. Um quadro, um poema, uma melodia são finitos na forma, mas infinitos no alcance. Tocam o que não se diz, despertam o que não se sabia, prolongam o que parecia breve. A arte é o gesto humano de tocar o intocável. De dar corpo ao que não tem corpo. De fazer do finito uma porta para o sem-fim.

Mas o infinito também assusta. Porque é o lugar onde o eu se dissolve. Onde o controlo se perde. Onde a razão se curva. O infinito é o espelho onde vemos que não somos centro. Que somos parte. Que somos passagem. E essa consciência, por vezes, dói. Porque nos lembra que tudo o que amamos é frágil. Que tudo o que somos é instante.

E no entanto, é essa fragilidade que nos torna belos. O facto de sabermos que tudo passa é o que dá valor ao que fica. O facto de sabermos que somos finitos é o que nos faz desejar o infinito. Não como posse, mas como horizonte. Não como certeza, mas como chama.

Talvez o infinito não exista como coisa. Talvez seja apenas uma ideia. Uma invenção da mente para suportar o peso do tempo. Mas mesmo que seja só isso, uma abstracção, não deixa de ser real. Porque o que a mente inventa, transforma. E o que transforma, existe.

O infinito é o que nos faz levantar os olhos. É o que nos faz perguntar. É o que nos impede de aceitar o mundo como está. É o que nos move. Mesmo que nunca o alcancemos, é ele que nos dá direcção. O infinito é bússola, não destino.

E talvez seja isso, no fim de tudo, o que importa; não saber se o infinito existe, mas saber que precisamos dele. Como quem precisa de horizonte para caminhar. Como quem precisa de silêncio para escutar. Como quem precisa de mistério para continuar a viver.

Sunday, 9 November 2025

A COP30 em Belém: Um Marco Decisivo na Luta Climática Global



Introdução

Entre os dias 10 e 21 de Novembro de 2025, a cidade de Belém, capital do estado do Pará, no Brasil, acolherá a 30.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP30). Este encontro, considerado um dos mais significativos da última década, reunirá líderes políticos, representantes da sociedade civil, cientistas, empresários e activistas de todo o mundo com o propósito de acelerar a implementação dos compromissos climáticos assumidos nas conferências anteriores e de delinear estratégias concretas para enfrentar a crise ambiental que ameaça a estabilidade planetária. A escolha de Belém como sede da COP30 não foi meramente simbólica. Situada na região amazónica, a cidade representa o coração de um dos ecossistemas mais vitais para a regulação climática global. Ao trazer a conferência para a Amazónia, o Brasil procurou colocar a floresta tropical no centro das decisões políticas e económicas que moldarão o futuro da humanidade.

Contexto e Expectativas

A COP30 decorrerá num momento particularmente crítico. Os dois anos que antecederam o evento foram marcados por recordes históricos de temperatura, aumento da frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos, e uma crescente pressão sobre os sistemas naturais e sociais. A comunidade internacional chegou a Belém com a consciência de que o tempo para agir está a esgotar-se e que a década de 2020 será decisiva para evitar o colapso climático.

Entre os principais objectivos da conferência destacaram-se:

·         A revisão dos planos climáticos nacionais (NDCs), com vista ao alinhamento com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

·         A mobilização de financiamento climático, com a meta ambiciosa de US$ 1,3 biliões anuais até 2035.

·         A aprovação de indicadores de adaptação, que permitam avaliar a eficácia das políticas implementadas.

·         A promoção de uma transição energética justa, com foco na triplicação da capacidade de energias renováveis e na redução gradual dos combustíveis fósseis.

Estrutura e Temas da Conferência

A COP30 foi organizada em torno de Dias Temáticos, cada um dedicado a áreas estratégicas da acção climática. Esta abordagem permitirá uma articulação mais eficaz entre os debates técnicos, as negociações diplomáticas e as propostas da sociedade civil.

1. Adaptação, Cidades e Infra-estruturas

Nos primeiros dias, os participantes discutirão formas de tornar as cidades mais resilientes face aos impactos das alterações climáticas. Serão apresentados projectos de infra-estrutura verde, sistemas de gestão hídrica e modelos de urbanismo sustentável. A adaptação deixou de ser vista como uma resposta passiva e passou a integrar estratégias proactivas de planeamento territorial.

2. Saúde, Educação e Justiça Climática

A interligação entre clima e saúde será amplamente debatida, com destaque para os efeitos das ondas de calor, da poluição atmosférica e da insegurança alimentar. A educação ambiental foi apontada como ferramenta essencial para a transformação cultural necessária à transição ecológica. A justiça climática emergiu como eixo transversal, exigindo que as políticas públicas considerem as desigualdades históricas e os direitos das populações mais vulneráveis.

3. Energia, Indústria e Transporte

Este segmento concentra-se na descarbonização dos sectores produtivos. Serão discutidas soluções como o hidrogénio verde, a electrificação dos transportes, a eficiência energética e os mercados de carbono. A transição energética será apresentada como oportunidade de inovação, geração de emprego e redistribuição económica.

4. Florestas, Oceanos e Biodiversidade

A Amazónia está no centro das atenções. O Brasil lançou um fundo de preservação florestal com potencial para mobilizar US$ 4 mil milhões por ano, beneficiando países com grandes áreas de floresta tropical. A biodiversidade será tratada como infra-estrutura vital, e os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas serão valorizados como parte integrante das soluções climáticas.

Negociações e Compromissos

Durante a conferência, os Estados-membros da UNFCCC apresentarão actualizações dos seus compromissos nacionais. Alguns países anunciarão metas mais ambiciosas de neutralidade carbónica, enquanto outros reforçarão os seus planos de adaptação. O debate sobre o financiamento climático será particularmente intenso, com destaque para o fundo de “perdas e danos”, destinado a apoiar países afectados por desastres climáticos. A presidência brasileira da COP30, liderada pelo embaixador André Corrêa do Lago, procurará imprimir um ritmo mais pragmático às negociações, privilegiando a implementação sobre a retórica. Serão aprovados 30 Objetivos-Chave para a Implementação, que servirão de referência para os próximos ciclos de avaliação.

Participação da Sociedade Civil

A COP30 distinguir-se-á pela forte presença da sociedade civil. Organizações não-governamentais, movimentos juvenis, comunidades tradicionais e representantes do sector privado participarão activamente nos debates, propondo soluções concretas e exigindo maior ambição política. As Zonas Azul e Verde funcionarão como espaços complementares sendo a primeira dedicada às negociações formais, e a segunda à partilha de experiências, inovação e diálogo intercultural. A diversidade de vozes e perspectivas será um dos pontos altos da conferência, reforçando a ideia de que a acção climática deve ser inclusiva e colaborativa.

Desafios e Perspectivas

Apesar dos avanços, a COP30 deixa claro que os desafios são imensos. A implementação dos compromissos depende de vontade política, capacidade técnica e financiamento adequado. A transição ecológica exige mudanças profundas nos modelos económicos, nos padrões de consumo e nas estruturas de poder.

Entre os principais desafios destacam-se:

·         A monitorização eficaz dos compromissos assumidos, com indicadores claros e mecanismos de responsabilização.

·         A coordenação entre níveis de governo, garantindo que as políticas nacionais se traduzam em acções locais.

·         A integração da ciência e do conhecimento tradicional, promovendo soluções adaptadas às realidades específicas.

·         A mobilização de recursos financeiros, especialmente para os países em desenvolvimento.

Conclusão

A COP30 em Belém representa um ponto de viragem na luta contra as alterações climáticas. Ao colocar a Amazónia no centro das decisões globais, a conferência reafirma a urgência de proteger os ecossistemas vitais e de promover uma transição justa e inclusiva. Mais do que uma reunião diplomática, é um apelo à acção concreta, à solidariedade internacional e à coragem política. O futuro dependerá da capacidade colectiva de transformar compromissos em realidade, de reconciliar desenvolvimento com sustentabilidade, e de reconhecer que a crise climática é, acima de tudo, uma questão de justiça. Belém é o palco onde o mundo se olha ao espelho e resta saber se terá coragem para mudar.

A COP31, prevista para 2026, ainda não tem local e data oficialmente definidos. A disputa pela sede está entre a Austrália e a Turquia, e a decisão poderá ser anunciada durante a COP30 em Belém.

Situação actual da COP31

·         Ano previsto: 2026

·         Grupo regional responsável pela escolha: Europa Ocidental e Outros (WEOG)

·         Candidaturas em disputa:

o    Austrália, propondo uma conferência em parceria com países do Pacífico, com foco na transição energética e nos desafios das nações insulares.

o    Turquia, propondo a cidade de Antalya, destacando a sua localização estratégica entre Europa e Ásia e a experiência em eventos internacionais.

Impasse diplomático

·         A escolha exige consenso unânime entre os 28 países do grupo WEOG, o que ainda não foi alcançado.

·         A ONU, através do secretário executivo Simon Stiell, tem pressionado por uma decisão rápida, alertando que o atraso compromete os preparativos logísticos e diplomáticos da conferência.

Expectativa

·         A definição da sede poderá ocorrer durante ou imediatamente após a COP30 em Belém, caso haja acordo entre os países membros.

·         A Austrália afirma já ter o apoio da maioria dos membros do grupo, mas a Turquia mantém firme a sua candidatura.

Friday, 7 November 2025

Deus Existe? Um Texto Sobre a Presença e o Silêncio

 



I. O Começo da Pergunta

A pergunta “Deus existe?” não é uma interrogação comum. Não se trata de uma dúvida que se resolve com estatísticas, nem de uma curiosidade que se sacia com uma resposta rápida. É uma pergunta que atravessa séculos, que molda civilizações, que inquieta o íntimo de quem pensa e de quem sente. É uma pergunta que não se cala, mesmo quando se tenta silenciá-la com dogmas ou com descrença.

Mas talvez o erro esteja em tentar respondê-la com pressa. Deus, se existe, não se revela ao ritmo das redes sociais, nem se prova com a lógica cartesiana. Deus, se existe, é presença ou ausência  que se sente no intervalo entre o que se sabe e o que se espera. E é nesse intervalo que este texto é escrito.

II. A Tradição da Certeza

Durante séculos, a existência de Deus foi uma certeza cultural. Não uma certeza demonstrada, mas uma certeza vivida. As catedrais erguidas na Europa, os templos esculpidos na Ásia, os cantos tribais da África e as danças rituais da América pré-colombiana não são apenas expressões de fé. São testemunhos de uma humanidade que, na sua diversidade, sempre buscou o transcendente.

A filosofia clássica tentou dar forma racional a essa busca. Aristóteles falava do “motor imóvel”, causa primeira de tudo o que se move. Tomás de Aquino, no século XIII, sistematizou cinco vias para provar a existência de Deus, baseando-se na contingência, causalidade e na ordem do universo. Eram tentativas de conciliar razão e fé, de mostrar que crer não era renunciar a pensar.

Mas o mundo mudou. A modernidade trouxe o método científico, secularização e autonomia da razão. E a pergunta sobre Deus deixou de ser uma afirmação cultural para se tornar uma dúvida filosófica. A certeza deu lugar à inquietação.

Tuesday, 4 November 2025

Operação Vórtex: Corrupção Urbanística, Influência Política e Responsabilidade Democrática

 



Introdução

A Operação Vórtex representa um dos mais recentes e significativos casos judiciais em Portugal envolvendo suspeitas de corrupção e tráfico de influência no seio do poder autárquico. Centrada na figura de Joaquim Pinto Moreira, antigo presidente da Câmara Municipal de Espinho. Esta investigação levanta questões estruturais sobre a integridade dos processos urbanísticos, a permeabilidade das instituições públicas à influência económica e a fragilidade dos mecanismos de controlo democrático. Este texto propõe uma análise crítica e multidisciplinar do caso, abordando os seus contornos jurídicos, políticos e éticos, bem como o impacto na confiança pública e na cultura institucional.

1. Enquadramento do Caso

A Operação Vórtex foi desencadeada pelas autoridades judiciais portuguesas em resposta a alegações de favorecimento indevido em processos de licenciamento urbanístico no município de Espinho. Em causa estão suspeitas de que o ex-autarca Joaquim Pinto Moreira terá recebido contrapartidas financeiras em troca de decisões administrativas favoráveis a determinados operadores económicos, nomeadamente no sector imobiliário. O processo inclui ainda outros arguidos, entre empresários e antigos funcionários da autarquia, e envolve projectos de grande envergadura, como unidades hoteleiras e edifícios multifamiliares.

O Ministério Público imputa ao ex-presidente da câmara crimes de corrupção passiva, tráfico de influência e violação das regras urbanísticas. O processo encontra-se em fase de julgamento, com o mandato político de Pinto Moreira suspenso, e decorre num contexto de elevada atenção mediática e sensibilidade institucional.

Tuesday, 28 October 2025

O Caso Face Oculta: Corrupção, Influência e Responsabilidade no Estado Democrático

 



Introdução

O Caso Face Oculta representa um dos mais emblemáticos processos judiciais da história contemporânea portuguesa, revelando uma teia complexa de corrupção, tráfico de influência e promiscuidade entre interesses privados e estruturas públicas. Centrado na figura do empresário Manuel Godinho, o processo expôs vulnerabilidades sistémicas na gestão de empresas públicas, na fiscalização administrativa e na ética política. Este texto propõe uma análise aprofundada do caso, desde o seu enquadramento factual e jurídico até às implicações sociais, políticas e institucionais que dele decorreram.

1. Enquadramento Geral do Caso

O processo Face Oculta teve início com investigações da Polícia Judiciária e do Ministério Público entre 2008 e 2009, culminando numa acusação formal em 2010. O julgamento decorreu no Tribunal de Aveiro, com mais de 180 sessões e dezenas de arguidos, incluindo figuras públicas, gestores de empresas estatais e empresários. A sentença foi proferida em 2014, com condenações efectivas para vários envolvidos, entre os quais Manuel Godinho, considerado o epicentro da rede criminosa.

Segundo os autos, Godinho liderava um grupo empresarial ligado ao sector das sucatas e resíduos industriais, com sede na região de Aveiro. Através de práticas sistemáticas de corrupção activa e tráfico de influência, procurava garantir contratos vantajosos com empresas públicas como a REN, EDP, CP e outras entidades do sector energético e logístico. O esquema envolvia pagamentos ilícitos, ofertas, favores e manipulação de decisões administrativas, com o objectivo de favorecer os interesses comerciais do grupo.

Sunday, 26 October 2025

O Fim da Ansiedade: Uma Travessia Sem Retorno



I. O inimigo invisível

A ansiedade não grita, sussurra. Não chega com aviso, infiltra-se. Está no nó da garganta, na insónia que não se explica e na respiração curta diante do nada. É um ruído de fundo que distorce o mundo, que transforma o possível em ameaça e que sabota a paz antes mesmo que ela se instale. Acabar com a ansiedade não é calá-la; é compreendê-la. Não é vencê-la com força; é dissolvê-la com lucidez. Porque a ansiedade não é defeito; é sinal. E todo o sinal merece escuta, não punição.

II. A mentira do controlo

A ansiedade nasce da ilusão de controlo. Da tentativa desesperada de prever o imprevisível, de garantir o incerto, de dominar o que nunca foi nosso. O futuro, por definição, escapa. E quanto mais se tenta agarrá-lo, mais fere. O primeiro passo para acabar com a ansiedade é abdicar da obsessão pelo controlo. É aceitar que viver é arriscar, que amar é expor-se e que existir é não saber. A paz não está em controlar tudo mas em confiar no que não se controla.

Saturday, 25 October 2025

O Caso Altice: Corrupção Empresarial, Fraude Fiscal e Branqueamento de Capitais em Portugal

 



1. Introdução

O Caso Altice representa um dos mais significativos episódios de investigação criminal no sector empresarial português da última década. Envolvendo altos quadros da Altice Portugal, a investigação iniciada em 2023 incide sobre suspeitas de corrupção no sector privado, fraude fiscal agravada e branqueamento de capitais. O impacto do caso transcende os limites da empresa, atingindo contratos públicos, práticas de gestão e a confiança nas instituições económicas. Este texto propõe uma análise crítica e multidisciplinar do caso, articulando dimensões jurídicas, económicas e ético-institucionais, com especial atenção ao papel das grandes empresas na integridade do mercado e na transparência das relações com o Estado.

2. A Altice Portugal: perfil empresarial e influência económica

A Altice Portugal é uma das maiores operadoras de telecomunicações do país, detentora da marca MEO e de infra-estruturas estratégicas de comunicação. Desde a aquisição da antiga Portugal Telecom, a Altice consolidou uma posição dominante no mercado, com influência significativa em áreas como internet, televisão, telefonia móvel e serviços empresariais. A sua dimensão económica e tecnológica confere-lhe um papel central na modernização digital do país, mas também exige elevados padrões de responsabilidade e conformidade legal.

A estrutura empresarial da Altice é complexa, com ramificações internacionais e múltiplas subsidiárias. A gestão de activos, a contratação de fornecedores e a alienação de património são áreas sensíveis, sujeitas a escrutínio legal e fiscal. Neste contexto, as suspeitas de práticas ilícitas levantam questões sobre os mecanismos internos de controlo, a cultura empresarial e a relação com o poder político.

Friday, 24 October 2025

O Caso Tutti Frutti e a Responsabilidade Política: Uma Análise Jurídico-Institucional da Condição de Arguido de Fernando Medina

 JORGE RODRIGUES SIMÃO

2025



1. Introdução

O Caso Tutti Frutti representa um dos episódios mais controversos da justiça portuguesa contemporânea, envolvendo alegações de favorecimento político, manipulação de listas eleitorais e distribuição de cargos entre partidos. No centro da investigação encontra-se Fernando Medina, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e figura de destaque no Partido Socialista, recentemente constituído arguido por suspeitas de prevaricação. Este texto propõe uma análise crítica e multidisciplinar do caso, articulando dimensões jurídicas, ético-políticas e institucionais, com especial atenção ao impacto sobre a confiança democrática e a integridade das práticas partidárias.

2. A natureza dos crimes imputados

A prevaricação, enquanto crime funcional, pressupõe que um titular de cargo político tome uma decisão contrária à lei, com intenção de beneficiar ou prejudicar terceiros. Trata-se de uma infracção que visa proteger a imparcialidade da função pública e a legalidade administrativa. O favorecimento político, embora não tipificado como crime autónomo, pode configurar práticas como tráfico de influência, abuso de poder ou participação económica em negócio, dependendo da forma como se concretiza.

No caso em análise, as suspeitas incidem sobre alegadas decisões tomadas por Fernando Medina enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que teriam beneficiado determinadas entidades ou indivíduos com ligações partidárias, através da atribuição de apoios financeiros ou nomeações. A complexidade reside em distinguir entre decisões políticas legítimas e actos que ultrapassam os limites da legalidade e da ética pública.

Thursday, 23 October 2025

Agricultura e Sistemas Alimentares Resilientes ao Clima

JORGE RODRIGUES SIMÃO

2025 


A agricultura resiliente ao clima tornou-se uma necessidade urgente face às ameaças crescentes que as alterações climáticas representam para a segurança alimentar global. Este texto explora a integração da agricultura inteligente, agroecologia, regeneração dos solos e diversificação de culturas, destacando também o papel das inovações locais e do conhecimento tradicional, conforme evidenciado em conferências recentes no Sul da Ásia e América Latina.

Historicamente, a agricultura tem sido moldada por uma interacção complexa entre o ambiente e a intervenção humana. Desde a agricultura de subsistência até à produção em massa tecnologicamente avançada, o sector evoluiu significativamente. A Revolução Verde, na década de 1960, introduziu variedades de alto rendimento e fertilizantes químicos, aumentando a produção alimentar, mas também expondo os sistemas agrícolas à variabilidade climática. Esta dependência química revelou limitações que exigem uma reavaliação centrada na resiliência e sustentabilidade.

O conceito de resiliência climática abrange estratégias que visam mitigar e adaptar os sistemas agrícolas aos impactos das alterações climáticas. A agricultura inteligente, que utiliza tecnologias avançadas como inteligência artificial e análise de dados, desempenha um papel crucial. A agricultura de precisão, por exemplo, recorre a sensores remotos e imagens de satélite para monitorizar a saúde das culturas, a humidade do solo e os níveis de nutrientes, permitindo decisões informadas que aumentam a produtividade e reduzem o desperdício de recursos.

A biodiversidade é um pilar essencial da resiliência agrícola. Sistemas de cultivo diversificados aumentam a estabilidade ecológica e reduzem o risco de perdas totais causadas por pragas, doenças ou fenómenos meteorológicos extremos. A conservação de espécies nativas e o uso de variedades indígenas adaptadas às condições locais são estratégias eficazes para manter a produção mesmo em períodos de seca ou inundações.

A saúde dos solos é outro componente vital. Solos saudáveis fornecem nutrientes, retêm melhor a água e sustentam a biodiversidade. Práticas regenerativas como cobertura vegetal, mobilização mínima do solo e uso de compostos orgânicos restauram solos degradados e aumentam a capacidade de sequestro de carbono, contribuindo para os objectivos climáticos globais.

A diversificação de culturas fortalece a resiliência e promove a segurança alimentar. Ao cultivar uma variedade de alimentos, os agricultores reduzem a dependência de uma única cultura vulnerável a choques climáticos ou económicos. Países com forte dependência do arroz, por exemplo, podem beneficiar da introdução de leguminosas e outros alimentos básicos, promovendo equilíbrio nutricional e estabilidade económica.

Conferências recentes no Sul da Ásia e América Latina têm sido plataformas fundamentais para a partilha de conhecimento e inovação. Estas iniciativas valorizam práticas agroecológicas alinhadas com o saber tradicional dos agricultores, reconhecendo-os como agentes de inovação. Eventos como os fóruns agroecológicos na Índia e os encontros sobre soberania alimentar na Colômbia têm reforçado a importância da colaboração entre governos, ONGs e comunidades locais.

Personalidades influentes como Vandana Shiva, defensora da biodiversidade e da agricultura indígena, e David Montgomery, investigador em saúde dos solos, têm contribuído significativamente para o debate sobre práticas sustentáveis. Enquanto alguns defendem soluções tecnológicas como os organismos geneticamente modificados (OGMs), outros alertam para os riscos de uma abordagem excessivamente tecnológica, preferindo métodos regenerativos e baseados no conhecimento ecológico tradicional.

O futuro da agricultura resiliente ao clima exigirá uma síntese entre tecnologia moderna e práticas tradicionais. A inteligência artificial pode oferecer insights valiosos, enquanto a agroecologia promove a resiliência local. Investimentos em educação e capacitação são essenciais, assim como políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis e financiem projectos de adaptação climática.

A colaboração entre governos, instituições académicas, ONGs e agricultores será decisiva. As conversas globais sobre sistemas alimentares devem valorizar os contextos locais e o conhecimento tradicional, ao mesmo tempo que promovem a cooperação internacional para enfrentar desafios transfronteiriços.

Bibliografia e Referências

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Ranjana Rao, Suchi Malhotra, Hugh Sharma Waddington, Howard White, Ranjitha Puskur, Edoardo Masset, Neha Gupta, Christine Simiyu, Ashrita Saran, Avni Mishra, Sujata Chodankar Walke, and Sabina Singh. "PROTOCOL: Interventions promoting resilience through climate‐smart agricultural practices for women farmers: A systematic review - PMC." pmc.ncbi.nlm.nih.gov, 05 Sep. 2022, https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9444128/.

Miriam A., Torre, Jorge, Alejandro, Fernández-Rivera Melo, Imelda G., Gabriela A., and Francisco. "Frontiers | Inheriting wisdom: transfer of traditional, scientific, and ecological knowledge in fishing communities in Mexico." www.frontiersin.org, 24 Sep. 2024, https://www.frontiersin.org/journals/sustainability/articles/10.3389/frsus.2024.1386259/full.

Obossou, Edmond, Singh, Alcade C., Totin, and Segnon. "A systematic review of climate change adaptation in vegetable farming systems in Africa | Communications Earth & Environment." www.nature.com, 08 Oct. 2025, https://www.nature.com/articles/s43247-025-02763-7.

  • Shiva, Vandana (2016). Who Really Feeds the World? The Failures of Agribusiness and the Promise of Agroecology. North Atlantic Books. → Uma crítica profunda ao modelo industrial de agricultura e uma defesa da agroecologia baseada em biodiversidade e saberes tradicionais.
  • Montgomery, David (2017). Growing a Revolution: Bringing Our Soil Back to Life. W. W. Norton & Company. → Explora práticas regenerativas do solo e o seu papel na resiliência agrícola e na mitigação das alterações climáticas.
  • Mishra, A.K., Sinha, D.D., Grover, D., et al. (2022). Regenerative Agriculture as Climate Smart Solution to Improve Soil Health and Crop Productivity. In: Towards Sustainable Natural Resources. Springer. → Estudo técnico sobre agricultura regenerativa como solução inteligente para a saúde dos solos e produtividade.

Organizações Internacionais e Plataformas de Conhecimento:

  • FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura Climate-Smart Agriculture Case Studies → Casos práticos e estratégias de agricultura inteligente adaptadas ao clima. www.fao.org/climate-smart-agriculture/en
  • UNDP – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento 5 Ways to Make Agriculture and Food Systems More Resilient (SCALA Programme) → Recomendações práticas para fortalecer a resiliência dos sistemas alimentares. climatepromise.undp.org

Wednesday, 22 October 2025

Acção Climática e Sustentabilidade Ambiental: Um Imperativo Civilizacional


Introdução

A acção climática deixou de ser uma escolha política ou uma pauta de nicho ambientalista. Em 2025, impõe-se como um imperativo civilizacional. A crise climática não é apenas uma ameaça ao meio ambiente mas também à estabilidade geopolítica, à segurança alimentar, à saúde pública e à própria continuidade da vida como a conhecemos. O planeta está em estado de alerta onde ondas de calor recordes, eventos extremos cada vez mais frequentes, colapsos ecológicos silenciosos e uma pressão crescente sobre os recursos naturais. Neste cenário, a sustentabilidade ambiental emerge como eixo estruturante de políticas públicas, estratégias empresariais e pactos multilaterais.

O Fim da Neutralidade Climática

A neutralidade climática, antes vista como uma meta distante, tornou-se um ponto de partida. Países como a Alemanha, Japão e Chile já incorporaram metas de carbono zero nos seus planos nacionais, enquanto blocos como a União Europeia avançam com regulações que penalizam emissões e premiam inovação verde. A China, maior emissora global, comprometeu-se com a neutralidade até 2060, e os Estados Unidos, apesar de revezes políticos, mantêm investimentos robustos em energia limpa e infra-estrutura resiliente. A transição energética é o coração dessa mudança. A substituição dos combustíveis fósseis por fontes renováveis como a solar, eólica, hidrogénio verde não é apenas uma questão ambiental, mas económica e estratégica. A energia limpa gera empregos, reduz dependências geopolíticas e fortalece a soberania energética. Em países como a Indonésia, parcerias internacionais estão a mobilizar milhares de milhões de dólares para garantir uma transição justa, que não deixe comunidades vulneráveis para trás.

Economia Circular e Inovação Regenerativa

A sustentabilidade ambiental não se limita à redução de emissões. Exige uma reconfiguração profunda dos modelos produtivos. A economia circular, que substitui o paradigma linear de “extrair-produzir-descartar” por ciclos regenerativos, ganha força em sectores como a construção civil, moda, tecnologia e alimentação. Empresas que antes operavam com base na obsolescência programada agora investem em durabilidade, reutilização e reciclagem como diferenciais competitivos.

Na indústria pesada como o cimento, aço, alumínio, tecnologias de captura de carbono e processos de baixo impacto estão a ser escalados. O desafio é conciliar crescimento económico com responsabilidade ecológica, especialmente em países em desenvolvimento que ainda enfrentam deficits estruturais. A industrialização verde pode ser uma alavanca de justiça climática, desde que acompanhada de financiamento acessível, transferência tecnológica e capacitação local

O Caso Sarkozy - Poder, Justiça e Corrupção na República Francesa

JORGE RODRIGUES SIMÃO

2025

Introdução

O Caso Sarkozy representa um dos episódios mais marcantes da história política e judicial da França contemporânea. Envolvendo um ex-presidente da República, o caso transcende os limites da justiça penal para se tornar um símbolo da tensão entre poder político, responsabilidade institucional e ética pública. Nicolas Sarkozy, que governou França entre 2007 e 2012, enfrentou múltiplas acusações de corrupção, tráfico de influência e financiamento ilegal de campanha, culminando em condenações que abalaram profundamente a imagem da presidência francesa e a confiança nas instituições democráticas. Este texto propõe uma análise crítica e aprofundada do Caso Sarkozy, explorando os seus contornos jurídicos, políticos e sociais. Através da reconstrução dos factos, da avaliação dos processos judiciais e da reflexão sobre o impacto institucional, procura-se compreender como um líder eleito pode tornar-se réu, e o que isso revela sobre os mecanismos de controlo e responsabilização numa democracia madura.

I. Ascensão política e contexto presidencial

Nicolas Sarkozy emergiu como uma figura dominante na política francesa no início dos anos 2000, destacando-se pela sua retórica assertiva, pela ambição reformista e pela capacidade de mobilizar apoios tanto à direita como ao centro. A sua eleição presidencial em 2007 foi vista como o início de uma nova era, marcada por promessas de modernização, segurança e dinamismo económico. Durante o seu mandato, Sarkozy enfrentou desafios significativos, incluindo a crise financeira global de 2008, tensões sociais internas e uma crescente polarização política. A sua presidência foi caracterizada por uma forte centralização do poder, pela personalização da liderança e por uma intensa mediatização da figura presidencial. Este estilo de governação, embora eficaz em certos domínios, gerou também críticas quanto à opacidade das decisões e à proximidade com interesses privados.

II. As acusações e os processos judiciais

O Caso Sarkozy não se resume a um único processo, mas antes a um conjunto de investigações e julgamentos que se estendem por mais de uma década.

Entre os principais episódios, destacam-se:

Corrupção e tráfico de influência: Em 2021, Sarkozy foi condenado por tentar obter informações confidenciais de um magistrado, em troca de favores. O caso ficou conhecido como o dos “grampos telefónicos”, envolvendo escutas entre Sarkozy e o seu advogado Thierry Herzog.

Financiamento ilegal da campanha de 2007: Em 2025, Sarkozy foi condenado por conspiração criminosa, acusado de ter recebido milhões de euros do regime líbio de Muammar Kadhafi para financiar a sua campanha presidencial. Esta acusação, sustentada por testemunhos e documentos, revelou uma rede de financiamento obscura com implicações diplomáticas.

Caso Bygmalion: Relacionado com a campanha de 2012, este processo envolveu gastos excessivos e falsificação de documentos para encobrir despesas ilegais. Embora Sarkozy tenha negado envolvimento directo, o caso contribuiu para a deterioração da sua imagem pública.

Thursday, 16 October 2025

O Caso das Golas Antifumo: Corrupção, Responsabilidade Institucional e o Testemunho de António Costa

 

JORGE RODRIGUES SIMÃO

2025

Introdução

O Caso das Golas Antifumo representa um dos episódios mais emblemáticos da tensão entre política pública, responsabilidade institucional e integridade na gestão de fundos públicos em Portugal. O processo judicial, que envolve 14 arguidos e cinco empresas, centra-se na alegada prática de crimes de fraude na obtenção de subsídios, abuso de poder e participação económica em negócio, no âmbito da campanha “Aldeia Segura - Pessoas Seguras”, promovida pela Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC). A convocação do Primeiro-Ministro António Costa como testemunha por videoconferência confere ao caso uma dimensão política e institucional particularmente sensível.

Este texto propõe uma análise crítica e multidisciplinar do caso, articulando os elementos jurídicos, administrativos e políticos que o compõem. Através da reconstrução factual, da interpretação normativa e da contextualização institucional, pretende-se compreender o alcance do processo e os seus efeitos sobre a confiança pública, a cultura de transparência e a arquitectura da responsabilidade democrática em Portugal.

I. Enquadramento Factual e Jurídico

Wednesday, 15 October 2025

Operação Lex: Redes de Influência, Justiça e Futebol em Portugal

JORGE RODRIGUES SIMÃO

2025

I. Introdução

A Operação Lex representa um dos mais complexos e sensíveis processos judiciais da história recente portuguesa, envolvendo figuras de destaque do sistema judicial e do universo desportivo. Com um total de dezassete arguidos, entre os quais se incluem o ex-desembargador Rui Rangel, a magistrada Fátima Galante e o ex-presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira, este caso levanta questões profundas sobre a permeabilidade das instituições à influência indevida, a fragilidade dos mecanismos de controlo e a intersecção entre justiça, poder e futebol.

O processo, ainda em fase de recurso suspensivo no Tribunal Constitucional, tem sido marcado por uma sucessão de episódios que expõem alegadas práticas de corrupção, tráfico de influência e recebimento indevido de vantagem. Mais do que um caso isolado, a Operação Lex revela padrões sistémicos que exigem análise crítica e reflexão institucional. Este texto propõe-se a examinar os contornos do processo, os seus protagonistas, os impactos na confiança pública e as implicações para o futuro da justiça portuguesa.

Thursday, 9 October 2025

Operação Influencer – António Costa e Associados: Ensaio sobre Poder, Justiça e Reconfiguração Institucional em Portugal


I. Introdução

A Operação Influencer constitui um marco disruptivo na paisagem política e institucional portuguesa. Mais do que um processo judicial, trata-se de um fenómeno que expõe as tensões entre poder político, interesses económicos e mecanismos de controlo democrático. A demissão do primeiro-ministro António Costa, em Novembro de 2023, não apenas surpreendeu o país como revelou a profundidade das suspeitas que envolvem figuras centrais da governação socialista. Este texto propõe uma análise crítica e multidisciplinar da operação, explorando os seus contornos legais, os actores envolvidos, os sectores estratégicos em causa e o impacto na arquitectura institucional portuguesa.

A investigação, ainda em curso, centra-se em alegações de favorecimento indevido, tráfico de influência e corrupção, envolvendo negócios ligados ao hidrogénio verde, à exploração de lítio e à instalação de um centro de dados em Sines. A complexidade do processo levou à sua divisão em três inquéritos autónomos, revelando a multiplicidade de ramificações e a sensibilidade dos temas abordados. A presente análise não se limita à descrição factual dos acontecimentos, mas procura compreender o que este episódio revela sobre o funcionamento do Estado, a permeabilidade das instituições e os desafios da governação em contextos de alta complexidade.

II. A Emergência da Operação Influencer

A Operação Influencer não surgiu de forma súbita. O seu desencadeamento foi precedido por uma série de investigações preliminares, denúncias informais e movimentações empresariais que levantaram suspeitas sobre a forma como determinados negócios estratégicos estavam a ser conduzidos. A instalação de um centro de dados em Sines, os projectos de hidrogénio verde e a atribuição de concessões para exploração de lítio tornaram-se epicentros de interesse político, económico e mediático.

O nome da operação “Influencer” não é casual. Remete para a ideia de influência exercida fora dos canais formais, através de relações pessoais, redes informais e decisões que, embora legalmente enquadradas, podem configurar favorecimento indevido. A escolha do nome revela desde logo a natureza simbólica da investigação pois trata-se de apurar se houve utilização indevida do poder político para beneficiar interesses privados, em detrimento da transparência e da equidade institucional.

Sunday, 5 October 2025

Operação Marquês – José Sócrates: Entre Justiça, Política e Responsabilidade Institucional

 “Operação Marquês – José Sócrates”

Introdução

  • Contextualização histórica e política da figura de José Sócrates
  • Enquadramento da Operação Marquês como marco judicial
  • Objectivos do texto: análise jurídica, impacto institucional e reflexão democrática

Capítulo I – Ascensão política e legado governativo

  • Percurso político de José Sócrates: da juventude ao cargo de primeiro-ministro
  • Principais reformas e controvérsias durante os mandatos
  • Relação com os media, o PS e os círculos económicos

Capítulo II – Genesis da investigação

  • Origem da Operação Marquês: denúncias, escutas e suspeitas
  • Papel da Polícia Judiciária e do Ministério Público
  • Primeiras diligências e detenção no aeroporto de Lisboa

Capítulo III – A acusação formal

  • Crimes imputados: corrupção passiva, branqueamento de capitais, fraude fiscal
  • Envolvimento de outros arguidos e empresas
  • O papel de Carlos Santos Silva e os circuitos financeiros

Capítulo IV – A instrução e os seus contornos polémicos

  • Decisão instrutória do juiz Ivo Rosa
  • Redução dos crimes e despronúncia de vários arguidos
  • Reações públicas, políticas e institucionais

Capítulo V – O julgamento em Monsanto

  • Início do julgamento em Julho de 2025
  • Comportamento do arguido e estratégia da defesa
  • Requerimentos, interrupções e confrontos com a juíza Susana Seca2

Capítulo VI – A dimensão mediática

  • Cobertura jornalística e impacto na opinião pública
  • O papel das redes sociais e da comunicação institucional
  • Comparações com outros processos judiciais em Portugal

Capítulo VII – Implicações para o sistema judicial

  • Teste à independência dos tribunais
  • Desafios da justiça penal em casos de alta complexidade
  • A morosidade processual e o risco de prescrição

Capítulo VIII – Repercussões políticas e democráticas

  • Efeitos no Partido Socialista e na confiança institucional
  • A percepção pública sobre corrupção e impunidade
  • O papel da justiça na regeneração democrática

Capítulo IX – Perspectivas futuras

  • Possíveis desfechos judiciais e impacto na jurisprudência
  • Reformas necessárias no sistema judicial português
  • O legado da Operação Marquês na história política contemporânea

Conclusão

  • Síntese dos principais argumentos
  • Reflexão sobre justiça, responsabilidade e memória democrática
  • A Operação Marquês como espelho da maturidade institucional portuguesa

Introdução

A Operação Marquês representa um dos mais complexos e mediáticos processos judiciais da história contemporânea portuguesa. Com 22 arguidos e 118 crimes inicialmente imputados, o caso tem como figura central José Sócrates, ex-primeiro-ministro e antigo líder do Partido Socialista. A investigação, que se estendeu por quase uma década, tornou-se um teste à capacidade do sistema judicial de responsabilizar figuras políticas de topo, suscitando debates sobre a independência da justiça, a morosidade processual e os limites da democracia representativa.

Este texto propõe uma análise aprofundada da Operação Marquês, articulando os factos processuais com os impactos políticos, mediáticos e institucionais. Através de uma abordagem jurídico-social, pretende-se compreender o alcance do processo, os seus contornos polémicos e as implicações para o Estado de direito em Portugal.

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