Friday, 7 November 2025

Deus Existe? Um Texto Sobre a Presença e o Silêncio

 



I. O Começo da Pergunta

A pergunta “Deus existe?” não é uma interrogação comum. Não se trata de uma dúvida que se resolve com estatísticas, nem de uma curiosidade que se sacia com uma resposta rápida. É uma pergunta que atravessa séculos, que molda civilizações, que inquieta o íntimo de quem pensa e de quem sente. É uma pergunta que não se cala, mesmo quando se tenta silenciá-la com dogmas ou com descrença.

Mas talvez o erro esteja em tentar respondê-la com pressa. Deus, se existe, não se revela ao ritmo das redes sociais, nem se prova com a lógica cartesiana. Deus, se existe, é presença ou ausência  que se sente no intervalo entre o que se sabe e o que se espera. E é nesse intervalo que este texto é escrito.

II. A Tradição da Certeza

Durante séculos, a existência de Deus foi uma certeza cultural. Não uma certeza demonstrada, mas uma certeza vivida. As catedrais erguidas na Europa, os templos esculpidos na Ásia, os cantos tribais da África e as danças rituais da América pré-colombiana não são apenas expressões de fé. São testemunhos de uma humanidade que, na sua diversidade, sempre buscou o transcendente.

A filosofia clássica tentou dar forma racional a essa busca. Aristóteles falava do “motor imóvel”, causa primeira de tudo o que se move. Tomás de Aquino, no século XIII, sistematizou cinco vias para provar a existência de Deus, baseando-se na contingência, causalidade e na ordem do universo. Eram tentativas de conciliar razão e fé, de mostrar que crer não era renunciar a pensar.

Mas o mundo mudou. A modernidade trouxe o método científico, secularização e autonomia da razão. E a pergunta sobre Deus deixou de ser uma afirmação cultural para se tornar uma dúvida filosófica. A certeza deu lugar à inquietação.


III. A Era da Dúvida

Nietzsche proclamou que “Deus está morto”. Não como uma constatação teológica, mas como um diagnóstico cultural. Para ele, a modernidade havia perdido o eixo metafísico que sustentava os valores. Sem Deus, tudo se tornava relativo, tudo era possível inclusive o niilismo.

Mas a morte de Deus não significou o fim da pergunta. Pelo contrário, intensificou-a. Se Deus não existe, o que fundamenta a moral? O que dá sentido à vida? O que consola diante da morte? A ausência de Deus não elimina a necessidade de respostas apenas muda o lugar de onde elas vêm.

A ciência, por sua vez, não se propôs a negar Deus, mas a explicar o mundo sem ele. A teoria da evolução, a cosmologia do Big Bang, a neurociência da consciência são tentativas de compreender o universo com base em leis naturais. Mas nenhuma delas responde à pergunta última: por que existe algo em vez de nada?

IV. A Experiência do Silêncio

Há quem diga que Deus não existe porque não se manifesta. Porque não intervém. Porque não impede o sofrimento. Porque não responde às orações. Mas talvez Deus, se existe, não seja um solucionador de problemas, nem um distribuidor de milagres. Talvez Deus seja silêncio e o silêncio também fala.

A mística cristã, por exemplo, sempre reconheceu o valor do deserto espiritual. João da Cruz falava da “noite escura da alma”, momento em que Deus parece ausente, mas está mais presente do que nunca. Teresa de Ávila dizia que o amor de Deus se revela na aridez, não na consolação.

Outras tradições também reconhecem o valor do vazio. O budismo fala do “não-eu”, da dissolução do ego como caminho para a iluminação. O taoismo valoriza o “wu wei”, o agir sem agir, o deixar ser. Em todas elas, o divino não é ruído mas silêncio.

V. A Presença no Quotidiano

Mas se Deus existe, onde está? Talvez esteja onde menos se espera. No gesto gratuito. No perdão que não se explica. Na beleza que comove sem razão. Na música que toca o que não se vê. No amor que resiste ao tempo. Na esperança que insiste, mesmo quando tudo parece perdido.

Deus, se existe, talvez não esteja nos argumentos mas nos encontros. Talvez não se revele nos tratados teológicos mas nos olhos de quem sofre e de quem cuida. Talvez não se prove mas se experimente.

Há quem diga que Deus é uma invenção humana. Mas talvez seja o contrário; talvez o humano seja a expressão de algo maior, de uma centelha que nos habita e que nos transcende. Talvez o desejo de Deus seja, em si, uma prova da sua existência.

VI. A Liberdade de Crer ou Não Crer

A beleza da pergunta “Deus existe?” está na sua abertura. Não há resposta definitiva. Há argumentos, experiências e intuições mas não há imposição. Crer é um acto de liberdade. E não crer também.

O Estado laico é uma conquista civilizacional. Permite que cada um busque ou não o sentido último da vida. Permite que a fé seja escolha, não obrigação. Permite que o diálogo entre crentes e não crentes seja possível, respeitoso, fecundo.

Mas essa liberdade exige responsabilidade. Crer não é desculpa para a intolerância. E não crer não é licença para o desprezo. A pergunta sobre Deus deve unir e não dividir.

VII. A Esperança como Resposta

No fim, talvez a pergunta “Deus existe?” não se resolva com lógica, mas com esperança. A esperança de que a vida tem sentido. De que o amor é mais forte que a morte. De que o bem é mais profundo que o mal. De que há algo ou alguém que nos chama para além de nós mesmos.

Essa esperança não é ingenuidade. É coragem. É escolha. É aposta. Como dizia Pascal: “Se você aposta que Deus existe e ele não existe, você não perde nada. Mas se você aposta que ele não existe e ele existe, você perde tudo.”

Não se trata de medo mas de abertura. De reconhecer que há mistérios que nos excedem. E que talvez, nesse mistério, esteja Deus.

VIII. Conclusão: A Pergunta Continua

Deus existe? Não há resposta definitiva. Mas há caminhos. Há vozes. Há silêncios. Há encontros. Há beleza. Há dor. Há amor. E talvez, em tudo isso, esteja a resposta ou a ausência dela.

O que importa é continuar a perguntar. Com humildade. Com coragem. Com liberdade. Porque perguntar é humano. E talvez seja também divino.

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