I. O Começo da Pergunta
A
pergunta “Deus existe?” não é uma interrogação comum. Não se trata de uma
dúvida que se resolve com estatísticas, nem de uma curiosidade que se sacia com
uma resposta rápida. É uma pergunta que atravessa séculos, que molda
civilizações, que inquieta o íntimo de quem pensa e de quem sente. É uma
pergunta que não se cala, mesmo quando se tenta silenciá-la com dogmas ou com
descrença.
Mas
talvez o erro esteja em tentar respondê-la com pressa. Deus, se existe, não se
revela ao ritmo das redes sociais, nem se prova com a lógica cartesiana. Deus,
se existe, é presença ou ausência que se
sente no intervalo entre o que se sabe e o que se espera. E é nesse intervalo
que este texto é escrito.
II. A Tradição da Certeza
Durante
séculos, a existência de Deus foi uma certeza cultural. Não uma certeza
demonstrada, mas uma certeza vivida. As catedrais erguidas na Europa, os
templos esculpidos na Ásia, os cantos tribais da África e as danças rituais da
América pré-colombiana não são apenas expressões de fé. São testemunhos de uma
humanidade que, na sua diversidade, sempre buscou o transcendente.
A
filosofia clássica tentou dar forma racional a essa busca. Aristóteles falava
do “motor imóvel”, causa primeira de tudo o que se move. Tomás de Aquino, no
século XIII, sistematizou cinco vias para provar a existência de Deus,
baseando-se na contingência, causalidade e na ordem do universo. Eram
tentativas de conciliar razão e fé, de mostrar que crer não era renunciar a
pensar.
Mas o
mundo mudou. A modernidade trouxe o método científico, secularização e
autonomia da razão. E a pergunta sobre Deus deixou de ser uma afirmação
cultural para se tornar uma dúvida filosófica. A certeza deu lugar à
inquietação.
III. A Era da Dúvida
Nietzsche
proclamou que “Deus está morto”. Não como uma constatação teológica, mas como
um diagnóstico cultural. Para ele, a modernidade havia perdido o eixo
metafísico que sustentava os valores. Sem Deus, tudo se tornava relativo, tudo era
possível inclusive o niilismo.
Mas a
morte de Deus não significou o fim da pergunta. Pelo contrário, intensificou-a.
Se Deus não existe, o que fundamenta a moral? O que dá sentido à vida? O que
consola diante da morte? A ausência de Deus não elimina a necessidade de
respostas apenas muda o lugar de onde elas vêm.
A
ciência, por sua vez, não se propôs a negar Deus, mas a explicar o mundo sem
ele. A teoria da evolução, a cosmologia do Big Bang, a neurociência da
consciência são tentativas de compreender o universo com base em leis naturais.
Mas nenhuma delas responde à pergunta última: por que existe algo em vez de
nada?
IV. A Experiência do Silêncio
Há
quem diga que Deus não existe porque não se manifesta. Porque não intervém.
Porque não impede o sofrimento. Porque não responde às orações. Mas talvez
Deus, se existe, não seja um solucionador de problemas, nem um distribuidor de
milagres. Talvez Deus seja silêncio e o silêncio também fala.
A
mística cristã, por exemplo, sempre reconheceu o valor do deserto espiritual.
João da Cruz falava da “noite escura da alma”, momento em que Deus parece
ausente, mas está mais presente do que nunca. Teresa de Ávila dizia que o amor
de Deus se revela na aridez, não na consolação.
Outras
tradições também reconhecem o valor do vazio. O budismo fala do “não-eu”, da
dissolução do ego como caminho para a iluminação. O taoismo valoriza o “wu
wei”, o agir sem agir, o deixar ser. Em todas elas, o divino não é ruído mas
silêncio.
V. A Presença no Quotidiano
Mas se
Deus existe, onde está? Talvez esteja onde menos se espera. No gesto gratuito.
No perdão que não se explica. Na beleza que comove sem razão. Na música que
toca o que não se vê. No amor que resiste ao tempo. Na esperança que insiste,
mesmo quando tudo parece perdido.
Deus,
se existe, talvez não esteja nos argumentos mas nos encontros. Talvez não se
revele nos tratados teológicos mas nos olhos de quem sofre e de quem cuida.
Talvez não se prove mas se experimente.
Há
quem diga que Deus é uma invenção humana. Mas talvez seja o contrário; talvez o
humano seja a expressão de algo maior, de uma centelha que nos habita e que nos
transcende. Talvez o desejo de Deus seja, em si, uma prova da sua existência.
VI. A Liberdade de Crer ou Não Crer
A
beleza da pergunta “Deus existe?” está na sua abertura. Não há resposta
definitiva. Há argumentos, experiências e intuições mas não há imposição. Crer
é um acto de liberdade. E não crer também.
O
Estado laico é uma conquista civilizacional. Permite que cada um busque ou não
o sentido último da vida. Permite que a fé seja escolha, não obrigação. Permite
que o diálogo entre crentes e não crentes seja possível, respeitoso, fecundo.
Mas
essa liberdade exige responsabilidade. Crer não é desculpa para a intolerância.
E não crer não é licença para o desprezo. A pergunta sobre Deus deve unir e não
dividir.
VII. A Esperança como Resposta
No
fim, talvez a pergunta “Deus existe?” não se resolva com lógica, mas com
esperança. A esperança de que a vida tem sentido. De que o amor é mais forte
que a morte. De que o bem é mais profundo que o mal. De que há algo ou alguém
que nos chama para além de nós mesmos.
Essa
esperança não é ingenuidade. É coragem. É escolha. É aposta. Como dizia Pascal:
“Se você aposta que Deus existe e ele não existe, você não perde nada. Mas se
você aposta que ele não existe e ele existe, você perde tudo.”
Não se
trata de medo mas de abertura. De reconhecer que há mistérios que nos excedem.
E que talvez, nesse mistério, esteja Deus.
VIII. Conclusão: A Pergunta Continua
Deus
existe? Não há resposta definitiva. Mas há caminhos. Há vozes. Há silêncios. Há
encontros. Há beleza. Há dor. Há amor. E talvez, em tudo isso, esteja a
resposta ou a ausência dela.
O que
importa é continuar a perguntar. Com humildade. Com coragem. Com liberdade.
Porque perguntar é humano. E talvez seja também divino.

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